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A Trova...sempre


A trova...sempre, por Vanda Fagundes Queiroz.

Vanda, pertence à UBT-Curitiba. Texto publicado inicialmente em 2014.


Temos lido, em alguns espaços, artigos/ensaios referentes ao tema "trova", seja no que tange à construção formal, seja quanto ao conteúdo. A abordagem destaca, por vezes, a questão de trovas feitas para participação em nossos habituais certames (os quais representam um dos pilares que incentivam a criação e fortalecem o movimento da UBT). Se é possível constatar divergência de opiniões sobre determinados aspectos, nota-se unanimidade quanto ao empenho de se valorizar este admirável minitexto poético, que entre nós se conceituou como trova. É gratificante constatar este interesse positivo. Talvez seja intromissão de minha parte dar palpite que ninguém pediu. Afinal, sou simples trovadora. Não sou membro de diretoria, tampouco faço parte de qualquer grupo de trabalho. O que me inspira é uma velha paixão, minha história de amor pela trova (desde a infância), além de sincero zelo por ela e pela UBT, o que me levou a incentivar outros tantos a trovar e a amar a trova. Ademais, não poucos têm me solicitado revisão e orientação sobre dúvidas atinentes ao assunto. Então exerço à socapa - no que me seja possível - pronto e desprendido gesto de apoio. Nestes casos, tenho por norma defender rigorosa fidelidade à correção linguística. Nossa gramática normativa de língua portuguesa - constituída de partes que incluem basicamente a fonologia, morfologia e sintaxe - é complexa, sim. Mas àquele que se envereda pelo caminho da arte literária não pode faltar desvelo para com nosso instrumento de trabalho. A unidade estrutural na música é o som. Na pintura, a cor. Na escultura, o espaço. Na literatura a palavra... e assim por diante. Cada princípio é fundamental, no respectivo setor. Para nós, a palavra é inegavelmente objeto precioso. - Talvez eu venha tão somente repetir o que já se disse. Creio ser válido, no entanto - mesmo que pareça redundância - aludir ao fato de que soneto e trova resistiram às inovações do modernismo implantado a contar da "Semana" de 1922. Em sendo remanescente do classicismo, deve a trova, portanto, ser cultivada como tal. Não obstante, constata-se eventual defesa em prol de liberdades optativas, do tipo "vale assim" - "não é assim" - pode ser assim" - "deveria ser assim" - etc. Não é raro perceber certa simpatia por uma espécie de "livre arbítrio", como se não houvera um documento oficial que regulamenta os padrões da escrita. É certo que nos valemos de relativa concessão, enquanto usuários da linguagem falada, mais informal e espontânea, sujeita a hábitos, modismos, regionalismos. A escrita, porém, continua orientada pela norma culta. Que o digam os vestibulandos, sujeitos ao martírio que os cursinhos impõem e os exames cobram, quanto ao conhecimento formal do idioma. Idioma bonito, rico. Mas um tanto traiçoeiro. A começar pela ortografia. Sobre pontuação, melhor nem falar, parece haver um desacerto quase generalizado. Ó flor do Lácio!

- Pois bem. Entende-se que a história é fenômeno dinâmico, e não estático. A língua, por sua vez, percorre trajetória de evolução, transformação, assimilação de caracteres modificadores. Isto, porém, não significa que possamos alterar componentes cujo valor persiste, vigora e é consistente. Qualquer mudança implica estudo meticuloso, acordos, formalização, regularização, consenso. Na proposta a favor de certas acomodações (ainda que motivadas pelo melhor intuito), é corrente a justificação por conta da chamada "licença poética". Esta liberdade existe, de fato, facultada ao poeta (mais adequada, talvez, ao poema livre). Mas não é aleatória. Requer por parte do autor o uso, consciente, de palavra ou expressão que normalmente estaria errada. Ou seja: ele conhece a norma, mas a contraria de forma proposital, como recurso estilístico. Não sendo assim, erro é erro. Além de que a trova é poesia de forma fixa. Não convém considerá-la tão maleável quanto se possa querer, sob o risco de quebrar a uniformidade no campo deste nosso pequeno grande poema! - É de conhecimento generalizado que há diferentes pontos a serem considerados na construção poética (tal como em qualquer arte, qualquer tarefa). Tomo a liberdade de rever alguns.

- A concordância verbal e nominal constitui elemento sintático imprescindível, cujo emprego correto revela conhecimento do idioma. Não convém que se publique ou se classifique uma trova contendo solecismo, ou seja, contendo erro sintático (refiro-me aqui a concordância e regência, já que a sintaxe de colocação não desestrutura a lógica gramatical, sendo admissível na poesia). Inadvertidamente, pode ocorrer descuido quanto à sintaxe. Errar é humano. Nem sempre, porém, é aceita colaboração, no sentido de ser revista e reparada a falha. Que pena.

- Em face de erros ocasionais verificados em trovas premiadas, certo trovador bem conceituado defendeu, há algum tempo, a ideia de que toda comissão julgadora deveria contar com um professor de português ou alguém que domine o uso do idioma. Resultaria, logicamente, em garantir, ainda mais, o bom nível dos trabalhos, conforme a maioria certamente idealiza. Na ocasião, tomei a liberdade de escrever a esse irmão, louvando seu zelo pela língua materna, em prol da trova.

- Quando ocorre a falha, suponho que seria de bom alvitre ser alertado, gentilmente, o autor, ou até mesmo a equipe do concurso, a qual se retrataria, oportunamente, se fosse o caso. Há possibilidade de ser erro de quem escreve ou engano de quem transcreve. Isto, de fato, seria "união". - O "suarabácti" é outro alvo de questionamentos. O termo reporta-se à intercalação de vogal entre um grupo de consoantes, fenômeno que sofreu transformação linguística, como por exemplo: fevreiro (evoluiu para fevereiro) - bratta (evoluiu para barata) - prão (evoluiu para porão). Esta alusão, creio tornar-se aqui desnecessária, uma vez que a discussão que agora nos diz respeito é quanto ao uso de métrica incorreta, no caso de consoante que não é seguida de vogal. É fato mais ou menos frequente na linguagem coloquial este tipo de "suarabácti": adevogado, paradíguima, opição, etc.. Constitui vício de nosso linguajar descuidado. Entretanto, na expressão oral correta a consoante requer pronúncia sutil, apoiada na sílaba anterior: ad/vogado, paradig/ma, op/ção. Se acaso falamos errado em nossa comunicação cotidiana, cuidemos em observar a forma culta, na escrita e na leitura. E destarte vamos metrificar corretamente o verso, evitando contar uma vogal onde não existe.

- A questão de junção de vogais, a qual nem sempre constitui "elisão", mas que praticamente foi generalizada como tal... é mais ponto que tem martirizado muita gente, gerando frequentes dúvidas e até controvérsia. << Juntar ou separar? << Defendo que nosso melhor mestre é o ouvido. O estudo do idioma é importante, importantíssimo, por conta da correção. Mas este quesito de encontros vocálicos, na poesia metrificada, é assunto que requer peculiar atenção. A fundamentação teórica exagerada, que não leve em conta o bom senso, pode mais complicar do que ajudar. Correção formal deve aliar-se a teor poético. Exige, além de sentido visual, ouvido e alma. Quando acaso tenho oportunidade de me expressar, enfatizo - para o caso da métrica - um processo simples de "pronunciar o verso com naturalidade, contando nos dedos". Para caracterizar cada fonema, prefiro o termo "som" - ou pelo menos "sílaba métrica", em vez de simplesmente sílaba. Em troca de correspondência, recebi há pouco tempo do amigo A.A. de Assis esta trova de Luiz Otávio: "Para medir nossos versos, / se o ouvido fosse juiz, / em nossos metros diversos / ninguém poria o nariz." Como se vê, o "príncipe" já recomendava o sentido da audição, na prática da escansão.

- Em breves palestras ministradas, sempre recomendei que não se "olhasse" tanto para as vogais na frase; que não se "afligisse" tanto porque alguns pregam que é preciso separar, já que "tal vogal é tônica, porque uma é isto ou aquilo". Com a paciência que me é peculiar, aconselho: >> Em vez de "olhar" tanto e pensar muito nas teorias, feche um pouco os olhos... fale e escute simplesmente... de forma natural. É só treinar. - Bem. Aqui ganha lugar a noção da referida "licença poética". Teoricamente, no texto poético o ditongo pode ser separado, formando hiato, recurso que a gramática denomina "diérese". O hiato pode ser unido formando ditongo, o que se chama "sinérese" (ou ditongação). O tritongo pode ser ele mesmo ou desdobrar-se em ditongo seguido de hiato. Não significa, porém, que qualquer ditongo possa ser separado... e assim por diante. É uma condição relativa, não absoluta. Depende muito da posição que a palavra ocupa na frase, dos termos em que ela se apoia, de modo que a pronúncia resulte em um ritmo harmonioso. Inclusive, pode acontecer que o mesmo encontro vocálico venha a soar bem, quando separado (ou unido) em determinado verso... mas noutro verso não fique bem. O ouvido faz a distinção.

- Logo, a fundamentação estritamente teórica é um caminho. Mas pode às vezes gerar um verso forçado, descontínuo, em desacordo com a cadência de nossas cordas vocais. Neste sentido, alega-se a questão de acento tônico, o qual deve recair em tal e tal sílaba. Existe, eu concordo, uma ciência denominada Teoria da Literatura, que expõe estas diretrizes. Mas... e se a preocupação inibir o dom natural de versificar? De certa forma, a medida acaba sendo automática, implícita na habilidade de declamar. Daí ser tão importante pronunciar, perceber a cadência: "sentir" cada verso como a sequência de uma curva melódica, tal qual um rio que desliza suavemente, sem obstáculos. A boa trova transmite modulação natural, sem junções forçadas e sem pausas que prejudiquem a continuidade natural.

- Em face de tais argumentos, já ouvi quem retrucasse, ou até olhasse de modo atravessado. Há quem não gosta de que se lhes indiquem algo; prefere fazer trova forçada, com prejuízo fônico, ou errada... e ouvir a exclamação: "Que lindo"!

- Há tanto a se questionar. Mas já me delongo, reconheço. Se causei enfado, seja creditado à conta de minha ''pior idade". Costumo pensar mais do que falar. Não sei quanto tempo me resta... pode não ser pecado expor alguma coisa agora. Opinião, obviamente, é algo que pode ser levado em conta, ou não. Ainda mais se for considerado que possivelmente nada se tenha acrescentado. Mas, afinal, já que existe licença poética... por que não licença "opinativa"?... Tenho dito.

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